Vivendo as transformações que os últimos anos nos impuseram, foi impossível não refletir sobre a minha trajetória profissional, em particular em 2020, o ano em que completei 40 outonos de vida (nasci em maio, no Rio de Janeiro). Decidi escrever este texto com o intuito de revisar a minha história, atualizar contratos e compartilhar algumas lições aprendidas.
Minha relação com o trabalho tem quase 30 anos! Iniciou quando eu tinha 16 anos, através de um estágio remunerado. Nessas andanças reflexivas, notei que, até aqui, minha ‘carreira’ apresentou significativas mudanças, causando verdadeiras revoluções pessoais, deslocando posições, renovando paisagens, redes de contatos, afetos e aprendizados.
Essas mudanças não foram simples, rápidas e totalmente compreendidas. Sempre critiquei, muitas vezes julguei, algumas vezes acertei, outras errei. Fui criticado, julgado e descartado algumas vezes. No entanto, fui também acolhido, exaltado, reconhecido e principalmente apoiado por muita gente, que assim como eu, busca autenticidade, autonomia, crescimento e boas noites de sono.
Não terminei todos os cursos que comecei. Já me culpei por isso, mas hoje vivo em paz, pois a vida tem o seu ritmo próprio, e nem sempre a gente está conectado com isso. Acontece de fazermos escolhas ruins ou sem respeitar quem somos, daí, ‘dá ruim’ em algum momento. Arrependimentos? Vários! Orgulhos? Inúmeros, principalmente o de chegar até aqui sem ter perdido o meu réu primário. Uma beleza isso.
Apesar das mudanças de ‘direções’ ou ‘áreas’, meus movimentos sempre navegaram em torno dos mesmos eixos: consumo, cultura, educação. Nunca foi só um deles, sempre todos eles, com maior ou menor ‘foco’, e é aí que morou e ainda mora a dificuldade:
Como trabalhar o tema do consumo, a partir de uma lente da educação, respeitando os limites e possibilidades da(s) cultura(s)?
Sigo tentando descobrir, explorando possibilidades, links e oportunidades, sempre muito bem acompanhado. Isso talvez seja uma sorte que tenho na vida, mas sei que é um pouco de esforço pessoal meu também. A gente aprende com o tempo os termos das ‘boas relações’, não é mesmo? Viva a terapia, a ética e a disponibilidade afetiva!
Bem, daqui em diante, eu conto um pouco mais sobre o meu desenvolvimento profissional, e como as coisas foram e (ainda vão) se entrelaçando.
Entre 1996 e 2000, a experiência mais marcante foi um estágio remunerado no setor de reservas de uma extinta companhia aérea, em um call center. 6 horas de trabalho por dia, uma ótima bolsa e benefícios dignos para quem estava começando. Nós, atendentes, não podíamos ter sobrenomes, e como já tinha um Rodrigo no grupo (eu nunca consegui ser o único Rodrigo de um ambiente, impressionante), escolhi o nome Alexandre. Motivo? Começava com A e a liberação para o lanche era por ordem alfabética. Sim, sou um taurino raiz. Lá, aprendi a improvisar para resolver problemas, a tentar me comunicar em outra língua, e a pedir ajuda. Mas ainda não sentia como trabalho, era descoberta e acesso.
Em 2001, comecei a trabalhar como Analista de Suporte de Informática, cargo que conquistei por conta da minha (incompleta) formação técnica em informática no ensino médio. No mesmo ano, iniciei o bacharelado em Administração, ainda sem certeza se era isso que eu queria ‘fazer da vida’. Em seguida, busquei estágios na área de marketing, área que me aproximei por conta das discussões sobre cultura e consumo. Consegui apenas alocações na área comercial, que eu odiava, mas descobri anos depois que foi a melhor escola de marketing por onde passei. Quando estamos numa posição de vender algo para alguém, ou auxiliar quem vende, a gente tem a oportunidade de conhecer nuances humanas interessantes e complexas. Uma grande escola.
Dois anos depois, já na área de marketing, passei por grandes empresas como estagiário, e em 2006, concluindo a faculdade, decidi empreender através de uma consultoria focada em gestão estratégica para micro e pequenas empresas. Alguns professores me indicavam clientes de consultoria e me sinalizavam que eu tinha habilidades para ter uma carreira como consultor. A decisão de abrir a minha empresa foi a decisão profissional mais importante e longeva da minha vida. Não pela atuação (inicial) dela, mas pela coragem de buscar o que fazia sentido para mim: autonomia e flexibilidade. Aprendi a organizar a minha agenda, meus recursos, minhas redes de relacionamento, meu tempo. Priceless.
Em 2008, me vi trabalhando da forma que queria, mas com o que não queria mais. Ser consultor de marketing para micro e pequenas empresas, no Rio de Janeiro daquele momento, não me permitia atingir resultados satisfatórios, nem profissionais nem financeiros. Busquei, então, um emprego fixo para conciliar com uma consultoria estimulante que tinha negociado com uma empresa de tecnologia. O projeto envolvia ‘aprendizagem corporativa’ e expansão do negócio.
Em paralelo, como Analista Pleno de uma empresa ótima, consegui estabilidade. Esta decisão acertada foi uma emancipação pessoal e profissional, além de um sinal de maturidade. Aprendi a me comportar em ambientes ‘refinados’, a escolher melhor minha roupa e minha comida e, principalmente, sobre como cultivar relações profissionais honestas e férteis.
Este período foi importante também por me apresentar a possibilidade de ajustes finos na minha formação acadêmica, foi quando busquei a minha primeira pós-graduação: um MBA. Foi um tempo maravilhoso, ali por volta dos 30 anos. Colágeno e esperanças em alta, manja? Combinação boa essa.
Em 2011, os trabalhos consultivos ganharam consistência e os ventos na empresa onde eu trabalhava mudaram. Decidi retornar para o home office, viver integralmente do meu negócio, e iniciar uma segunda pós-graduação numa área que sempre fez muito sentido para mim, desde a época da faculdade: pesquisa qualitativa. Foi uma aposta em seguir me qualificando e apurar minha sensibilidade para olhar a cultura sob uma perspectiva antropológica, sem precisar fazer uma nova graduação. Outro acerto! Esta experiência foi muito relevante e me deu a oportunidade de perceber um tema que já transitava em minha vida pessoal, mas que eu não tinha me dado conta: o cozinhar em casa. Ainda não era sobre comida, era sobre o ‘fazer comida’. Em casa.
Concluída esta pós, busquei na sequência uma formação técnica de cozinheiro/chef de cozinha, pois achava que precisava para gerir um coletivo de projetos culturais gastronômicos. O coletivo deu muito certo, a formação não, mas segui adiante. O dia tinha apenas 24 horas, infelizmente, e a ali descobri que num negócio a gente não precisa dar conta de tudo, felizmente.
A minha persona gestora encontrou a minha persona pesquisadora, e elas criaram espaço para a persona criativa se manifestar. Tudo parecia ter se encaixado, mas o tempo mostrou que ajustes seriam necessários mais adiante. O ‘Coletivo Gourmet’ nasceu em 2012. Era baseado na Internet e permitiu interações entre diferentes tipos de projetos culturais, que foram realizados no Rio de Janeiro e em parceria com diferentes instituições.
Minha formação como pesquisador avançou por meio de um mestrado. Este coletivo e a vivência como ativista do movimento Slow Food foram determinantes para a minha entrada no universo da Gastronomia e a decisão de seguir neste caminho híbrido de pesquisa, produção cultural e docência. A esta altura, os trabalhos de consultoria eram temáticos e relacionados a este universo. O que eu buscava? Além de satisfação criativa, validações institucionais, recursos financeiros e construção de rede. Vai vendo.
O senso crítico que desenvolvi ao longo deste percurso me trouxe incômodos com a categoria ‘gourmet’ que assinava o projeto, embora o ‘coletivo’ mantivesse o espírito da diversidade e do diálogo. Então, as personas gestora, pesquisadora e criativa encontraram uma quarta persona ativista que foi se formando ao longo destas experiências. O conflito foi inevitável.
Apesar de ter me tornado docente neste período e ter atingido um dos meus objetivos, enfrentei desgastes no modelo das parcerias comerciais que sustentavam os projetos culturais gastronômicos e, por isso, assumi uma postura de recuo com relação ao desenvolvimento e expansão do coletivo que despertava interesses de empresas de grande porte e centros culturais fora da cidade.
O que parecia oportunidade de crescimento do projeto foi lido por mim como descaracterização do caráter artesanal, ético e dialógico do mesmo, o que me levou a tomar a difícil decisão de fechar o portal em 2015. Junto com o fechamento do portal, saí do movimento Slow Food. Foi a forma que encontrei de silenciar o conflito entre as personas ativista e gestora, e dar espaço para a pesquisa e a docência se desenvolverem, até encontrar novamente uma oportunidade de retomar o projeto no futuro, se isso fizesse sentido. Spoiler: fez, ele voltou. E fez todo o sentido ter voltado sem a busca por rasas validações institucionais. Ops, falei demais?!?
Acho relevante ressaltar que, neste momento, o Brasil já vivia um período político e econômico conturbado e definitivamente o contexto pedia pausa. Nunca é só sobre os nossos movimentos, erros e acertos, existem contextos.
Minha carreira como docente universitário fluiu, inicialmente, em duas instituições privadas. Atuei na pós-graduação e na graduação em diferentes disciplinas. Em 2019, ao ser aprovado num concurso de professor substituto numa universidade pública e ter meu projeto de pesquisa de doutorado aprovado, decidi me desligar das instituições privadas e me dedicar integralmente a esta nova experiência.
Pronto, chegou o momento de refletir sobre o meu maior erro profissional até então: o excesso de engajamento nesta possibilidade de carreira. A persona ativista tinha encontrado um espaço de aliança para destronar de vez a persona gestora (elas não se gostam mesmo). O ensino público é da ordem do divino e do necessário, mas as relações institucionais que se estabelecem nestes ambientes (e no terceiro setor também) são difíceis demais para eu administrar. Simplesmente reconheço a minha incapacidade de lidar com a grande maioria delas. Tudo bem, a gente não consegue ser bom em tudo, não é mesmo?
Mesmo sob pressão da pandemia, do pandemônio político, do doutorado errático, a persona gestora não desistiu. Pelo contrário, ela se aliou à persona criativa (essas sim são bem próximas e alinhadas), insistiu e entendeu que tinha chegado a hora de retomar o ‘Coletivo Gourmet’, mas sob outras premissas e outros arranjos. Todos os projetos do coletivo foram revisitados em suas bases, objetivos, formatos e dinâmicas. A grande maioria foi arquivada em definitivo, e viraram lindas memórias de germinações. Os mais relevantes e sensíveis começaram a ser remodelados.
Um ‘novo’ eixo: a educação. Escola? Sim, de comida. E por que não? Escola de Comida! Um espaço para pensar a relação com a comida por meio de uma escola? Capaz. No fundo, sempre foi minha intenção trabalhar vivências culturais como processos de aprendizagem. Eu só não sabia nomear isso. Não sabia como fazer. Não tinha um tema. Amálgama. É o que tenho feito desde então.
Em 2022, este empreendimento ganhou um novo sopro de possibilidades com a minha mudança para o Canadá. Motivado por um programa de imigração baseada em empreendedorismo, botei o projeto na mala, desembarquei numa terra fria e distante para tentar de novo. Não está sendo fácil, mas há avanços e conquistas especiais e significativas. O mais importante de todo esse processo: as boas parcerias que estou conseguindo manter ao longo do caminho. Não tem preço.